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A cidade de Tóquio foi invadida por misteriosos seres malignos, e apenas os nossos poderes paranormais podem parar a terrível ameaça. Esta é a proposta de Ghostwire: Tokyo, um thriller de ação e aventura repleto de inspiração oriental e de muitos espíritos mal-humorados.

Publicado pela Bethesda Softworks, Ghostwire: Tokyo é o mais recente trabalho encomendado ao estúdio Tango Gameworks, antes deste ter sido adquirido pela Microsoft em março de 2021, num negócio de mais de 7 mil milhões de euros. Esta compra não impediu que o jogo seja, por agora, um exclusivo PS5 e PC (durante um ano), uma vez que a Microsoft decidiu manter todos os acordos que a Bethesda tinha assinado antes da aquisição.

Shinji Mikami, criador das populares sagas Resident Evil, The Evil Within ou Dino Crisis, fundador do estúdio que agora lança esta proposta, adiciona uma expetativa extra a Ghostwire: Tokyo ou não fosse este um produto de décadas de experiência e sucessos no género de horror e sobrevivência. Mas, será que consegue estar à altura ou irá ficar aquém do que podia ter sido?

Análise Ghostwire: Tokyo

Ghostwire: Tokyo mergulha-nos no coração de uma capital japonesa atormentada por um estranho fenómeno responsável pelo desaparecimento de quase toda a população da cidade, com exceção de um jovem japonês. O nosso protagonista Akito conseguiu resistir ao misterioso nevoeiro que envolve a metrópole, graças à ajuda de um ser espiritual chamado ‘KK’. Esta aliança improvável dá a oportunidade de Akito poder salvar a sua irmã mais nova, mas em troca terá de ajudar KK na sua vingança contra o vilão, uma entidade que se esconde atrás de uma máscara Hannya (tal como na capa do jogo), e das suas legiões de Faceless, que causam o caos em Tóquio.

Para completarmos a nossa missão, a Tango Gameworks criou um mundo aberto para podermos explorar, mas nem sempre com total liberdade. Após uma poderosa secção de introdução, e um primeiro capitulo algo limitado de opções, quase sentimos que somos apenas um espetador nesta história. Não existe um fator decisor da ação, algo que poderia melhorar largamente Ghostwire: Tokyo. No entanto, a encenação é de boa qualidade, principalmente nas poucas, mas visualmente atraentes cutscenes (secções cinemáticas), de forma que quase esquecemos essa suposta falta de liberdade, pelo menos na história.

Com Tóquio como pano de fundo, uma cidade que se caracteriza pela diferença entre a tecnologia e tradição, Ghostwire também demonstra ter essa tensão. O estúdio japonês Tango Gameworks construiu um cenário agradavelmente próximo do real. Existem máquinas de venda automática, lojas com produtos otaku, escritórios cheios de computadores e até os minimercados que caracterizam a paisagem urbana da metrópole. Diferente da cidade real (esperamos) é a presença de fantasmas que vagueiam um pouco por todo o lado, e com as mais variáveis formas. Desde animais, vultos de adultos e crianças, e até lençóis a esvoaçar, existe uma variedade de ameaças a evitar, juntamente com um nevoeiro mortal que flutua por muitas ruas e becos. Mas a importância da cidade que dá nome ao jogo vai ainda para além de tudo isto.

Imensa Tóquio

Com Ghostwire: Tokyo, a Tango Gameworks desafiou-se a projetar um mundo que reproduza o centro nevrálgico da capital do Japão numa escala de 1:1, e na verdade ficaram o mais perto que conseguiram. No jogo, a cidade de Tóquio estendesse até onde os nossos olhos podem ver (ou quase), e está cheia de lugares icónicos para descobrir, desta vez sob uma nova luz sobrenatural.

Claro que a cidade está despovoada, o que é amplamente justificado pela história do jogo, mas não está vazia nem desprovida de interesse. O estúdio queria uma Tóquio realista e exótica, verdadeira e paranormal, já conhecida, mas enigmática, e na nossa opinião, acertou na fórmula.

Deste labirinto urbano emerge uma atmosfera pesada e apocalíptica que liga bem com a jogabilidade pretendida. Apesar dos ambientes acabarem por ser repetitivos, o prazer da descoberta também permanece intacto, ao longo de uma aventura que leva cerca de quinze horas para terminar em linha reta (30 horas para terminar o jogo a 100%). A cidade japonesa torna-se, à sua maneira, um personagem por direito próprio, e explorar não é apenas passear pelas ruas, mas também brincar com a noção de verticalidade e envolver Akito nos telhados e nos becos da cidade.

Mecânica Fantasmagórica

A dupla Akito e KK exploram Tóquio a pé e na primeira pessoa, algo estranhamente incomum para jogos ‘made in japan’. Talvez devido a isso, reparamos desde cedo que os controlos não são tão diretos e precisos como nos FPS ditos ‘tradicionais’, como um Call of Duty, Doom ou Halo. No entanto, como Ghostwire: Tokyo não é uma aventura particularmente complicada (na dificuldade normal), este detalhe perde importância, embora seja um detalhe a corrigir.

A ação do jogo acontece na forma de tiros, ao estilo do clássico Hexen (1995), mas aqui não enchemos o inimigo de chumbo como no Doom, mas sim de magia. As mãos bem animadas de Akito lançam feitiços de três elementos, vento, água e fogo, e estão diretamente relacionados com a base dos FPS clássicos.

Os tiros de vento são aparentemente mais fracos, mas também os mais comuns de encontrar munição, tal como uma pistola. Os tiros de água espalham o dano, e são mais eficazes ao perto, tal com uma caçadeira shotgun. Já os tiros de fogo são como foguetes, mais fortes e muito eficazes em lutas de bosses. Infelizmente, estes disparos não parecem particularmente poderosos ou impressionantes, e como tal, Ghostwire: Tokyo não pode ser destacado apenas pela pura diversão de tiro.

Os tiros, o arco de Akito e algumas outras habilidades podem ser melhoradas através de uma árvore de skills sem grande inspiração. Os poderes elementais ficam mais fortes, Akito torna-se mais rápido ou mais habilidoso, e pouco mais do que isto.

Antes de desaparecerem, os fantasmas revelam o seu núcleo, que arrancamos com o apertar de um botão, com uma animação que vale a pena assistir. Os abates furtivos ocasionais pelas costas também são recompensados ​​com uma animação incrível.

Em última avaliação, muitas batalhas são boas para entreter, exigem a priorização tática de alguns inimigos e são recompensadas com efeitos às vezes fortes. No entanto, eles nunca podem ser comparados a um bom jogo moderno de tiro na primeira pessoa, especialmente porque a IA do oponente é extremamente fraca, e a sua variedade de ataques é muito previsível, em particular na primeira metade do jogo.

O mundo de jogo urbano expansivo que nos é apresentado nunca ganha destaque especial em comparação com outros jogos modernos de mundo aberto, mas é ainda assim agradável. Inicialmente, os caminhos por Tóquio são muito limitados. Somente quando limpamos finalmente a neblina, é que o mapa fica sobrecarregado de ícones. Este sistema de descoberta do mapa não resulta de uma evolução do famoso princípio das torres de vigia da Ubisoft, mas sim uma forma diferente de progressão no mapa, que nos impede de explorar novas áreas sem que primeiro sejam desbloqueadas.

Colecionar talismãs, conversar com animais, encontrar tanookis escondidos e libertar as muitas cabines telefónicas, ainda é divertido, no entanto bastante previsível. Carregar no botão quadrado envia um impulso pelo mapa, o que destaca coisas importantes a azul, algo que facilita ainda mais a exploração.

Nem por aí Além

A banda sonora de Ghostwire: Tokyo não é especialmente tocante, mas os efeitos sonoros são importantes para a aventura, sendo que parte deles até podem ser ouvidos pela coluna do comando DualSense. O som do ambiente também foi bem conseguido, e a chuva, ecos e passos, ajudam a compor toda a atmosfera fantasmagórica.

Graficamente, este não será certamente o jogo mais impressionante que vimos, mas a Tango Gameworks deixa ainda assim uma impressão limpa e forte. É interessante olharmos para muitos detalhes realistas, o contraste entre a escuridão e os letreiros de néon das lojas. Infelizmente, os rostos e corpos dos personagens não conseguem acompanhar os ambientes, e os oponentes fantasmagóricos também não são imensamente detalhados.

Já o design de personagens está noutro patamar, e entre demónios japoneses tradicionais, oni e yokai, encontramos monstros de lendas urbanas, que parecem realmente desagradáveis e asssutadores, especialmente quando vistos de perto. As sequências da história poderiam ter recebido um pouco mais de ajustes para serem mais impressionantes, mas pelo menos os tempos de carregamento quase inexistentes ao iniciar o jogo são agradáveis.

A utilização do novo DualSense da PS5 foi quase tão bem conseguida como no jogo de demonstração da marca japonesa, o Astro’s Playroom. Desde puxar o arco, até arrancar os núcleos e matar furtivamente, tudo foi formidavelmente adaptado para as capacidades do comando. Um detalhe curioso vindo de um estúdio que agora faz parte da sua principal concorrente direta, a Microsoft.

Conclusão

Ghostwire: Tokyo é uma interessante e bizarra aventura em mundo aberto, num cenário fantasmagórico de uma cidade de Tóquio que foi bem muito recriada. Mas se a nível tecnológico a Tango Gameworks mostrou-se à altura, noutros aspetos as coisas não funcionaram assim tão bem. Os visuais são bons, os controlos apenas decentes, mas o problema assenta mesmo na ausência de terror. Ghostwire: Tokyo simplesmente não parece assustador o suficiente para o seu género, e embora compensa com um mapa muito bom para explorar, até aí a experiência não é completa.

Libertar almas, deslizar de telhado em telhado, explorar linhas de metro, parques e escritórios é motivador, e também o mundo é impressionante com a sua verticalidade de exploração em alguns locais. No entanto, o nevoeiro bloqueia demasiadas zonas, numa desajeitada desculpa para não termos completa liberdade. Depois de The Evil Within 1 e 2, dois jogos que cumpriram bem com o seu propósito, talvez esperássemos um pouco mais da Tango Gameworks. O estúdio que até já faz parte da família Xbox, ainda nem sequer lançou o jogo nas consolas da Microsoft, mas neste estado, também não será ameaça para garantir vendas da consola concorrente. Não sabemos se o estúdio ainda vai tentar melhorar o jogo antes deste chegar à Xbox, mas o mais provável é que o desenvolvimento fique por aqui, o que por agora soa a algo incompleto.

Ghostwire: Tokyo é uma bonita homenagem aos rpgs de terror, e embora sofra de alguns problemas na mecânica de tiro e IA, continua a ser uma bizarra aventura que entretém (embora curta e repetitiva) de horror ligeiro. Não será certamente o RPG da década, nem para todos os jogadores, mas as suas pequenas falhas são compensadas pela própria singularidade do trabalho imaginado por Shinji Mikam, que faz de Ghostwire: Tokyo uma experiência diferente e memorável.

[Análise baseada na versão de Ghostwire: Tokyo para PS5, gentilmente cedida pela playandgame.pt]