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GreedFall é um novo RPG de ação do estúdio francês Spiders e é publicado pela editora Focus Home Interactive. Foi lançado no passado dia 10 de setembro para a PlayStation 4, Xbox One e PC. O estúdio Spiders é conhecido por previamente ter lançado RPGs como Bound by Flame e The Technomancer, ambos títulos que não foram necessariamente bem recebidos pela crítica. Será GreedFall o jogo a finalmente quebrar essa “maldição”?

Ambientado num período histórico largamente baseado no século XVII, GreedFall inclui ainda alguns elementos de fantasia. Logo aqui, começamos bem! Este é um dos períodos históricos que mais adoro ver representados em obras de ficção, sejam jogos, filmes, livros, etc. Há qualquer coisa de mítico nesta época histórica: desde a exploração marítima à colisão entre espadas e armas de fogo recém-descobertas, passando pela colonização e pelo embate entre civilizações desenvolvidas e índios nativos, há certamente um enorme potencial para contar uma história cativante que se debruce sobre esses inúmeros temas.

E, de facto, GreedFall faz precisamente isso. Desde o início, somos apresentados com missões que nos fazem considerar os temas políticos da época presentes no jogo. Alguns jogadores que não procurem uma história tão pesada e que aborde temas tão “maçudos” poderão considerar a narrativa aborrecida. No meu caso, eu delicio-me quando os jogos procuram abordar este género de temas altamente políticos, de modo que GreedFall foi um jogo em que depressa me deixei absorver pela história.

GreedFall

GreedFall

A maior parte do jogo passa-se na ilha de Teer Fradee, uma ilha recentemente descoberta e colonizada por diferentes nações. É uma ilha fantástica, na medida em que é habitada por, para além de índios nativos, monstros gigantescos e seres mágicos. Apesar disto, o ambiente em GreedFall não é um em que os elementos do fantástico estão demasiado presentes, podendo mais equiparar-se a uma espécie de “baixa fantasia”, em que uma realidade aparentemente normal é “invadida” por uns quantos elementos fantásticos. Mais uma vez, isto é algo do meu agrado. Prefiro que a fantasia se reduza a apenas a alguns elementos que, apesar de escassos, sejam intrigantes, para a narrativa ter assim espaço para respirar e poder mais confortavelmente enfrentar temas de uma natureza mais política.

Em GreedFall tomamos o papel de De Sardet, um/uma diplomata cuja principal missão ao chegar à nova ilha é encontrar uma cura para a praga misteriosa que invade o continente, conhecida como “malichor”. Ao mesmo tempo, enquanto De Sardet, somos levados a fazer malabarismo diplomático entre todas as nações/fações que partilham Teer Fradee:

Congregation of Merchants
Fação de comerciantes à qual pertence o personagem principal, De Sardet.

Bridge Alliance
Nação que acredita, acima de tudo, no poder da ciência para explicar o mundo à sua volta.

Coin Guard
Fação dos mercenários que são contratados por outras fações.

Thélème
Nação altamente religiosa e colonialista (as semelhanças com a Europa Católica do século XVII são demasiadas para poder ignorar).

Nauts
Fação de navegadores e homens do mar.

Índios nativos
Fação dos nativos da ilha de Teer Fradee. Já habitavam a ilha e veem agora o seu território a ser invadido e colonizado.

No papel de jogador, e ao longo de missões principais e secundárias, somos levados a pesquisar mais sobre a terrível doença que assola o continente fictício deste jogo, descobrir mais sobre a ilha de Teer Fradee e sobre quem a habita, desde nativos a monstros gigantescos. A exploração em si é divertida e recompensante, havendo pontos de interesse suficientes e recompensas a cada canto que incentivem o jogador a explorar. De vez em quando, há até o boss ocasional.

Estrutura das Missões, Diálogo e Progressão

A estrutura das missões em GreedFall foi de longe o que mais gostei neste jogo. A forma como se desenrolam e a liberdade que proporcionam ao jogador na sua resolução é extraordinária. Também me agradou a forma como as missões interagem com os elementos de progressão do jogo.
Existem fundamentalmente três classes de personagem no jogo: Guerreiro, Técnico e Mago. Cada uma destas classes pode ser desenvolvida na árvore de habilidades, com pontos que são obtidos a cada nível.

O Guerreiro é especializado no combate corpo-a-corpo. O Técnico foca-se mais no combate à distância, através da utilização de armadilhas e de armas de fogo. O Mago, como é evidente pelo nome, é uma classe mais virada para a utilização ofensiva de feitiços durante o combate. A classe que escolhi foi a do Guerreiro, por querer prosseguir com um personagem que fosse mais tanque, que utilizasse muita armadura e usasse armas pesadas como mocas, marretas, ou grandes bastões. Apesar das classes aparentemente lineares, a progressão não necessita de ser tão linear como possa parecer à primeira vista. Enquanto Guerreiro, posso perfeitamente, na árvore de habilidades, colocar uns pontos nas armas de fogo e progredir com essa habilidade se assim o desejar.

GreedFall
GreedFall. Imagem: DR

Os Atributos são a outra forma de progressão dentro do jogo. Existem seis atributos: Força e Resistência, atributos com maior sinergia em relação à classe do Guerreiro, Agilidade e Pontaria, com maior sinergia com a classe Técnica, e Força Mental e Força de Vontade, mais adequados àqueles que escolham a classe do feiticeiro. Para além disto, existem ainda os Talentos, que são capacidades especiais que geralmente ajudam o nosso personagem em certos momentos contextuais nas missões da história, mas não só. Existem seis talentos: Carisma, Ciência, Vigor, Arrombamento, Artesanato e Intuição. Cada um destes talentos oferece um certo tipo de vantagem aquando das missões do jogo. Por exemplo, o talento do Carisma oferece uma maior probabilidade de convencer um NPC a fazer algo que nós queiramos. Já o talento do Artesanato permite que reparemos objetos dos NPCs que estejam danificados, o que se pode revelar bastante útil.

GreedFall
GreedFall. Imagem: DR

Foi a sinergia entre estes talentos e a estrutura das missões que verdadeiramente me agarrou a este jogo. Cada talento pode vir a revelar-se útil em qualquer missão, contudo, a progressão nestes talentos é relativamente lenta (somos recompensados com um ponto para evoluir um talento a cada quatro níveis, sendo que cada talento tem três níveis para evoluir). Isto significa que somos obrigados a prioritizar apenas um ou outro talento, e ver como somos recompensados ou punidos ao longo das missões pelas nossas escolhas é fascinante. Por exemplo, o primeiro talento que escolhi evoluir foi o do Artesanato. Ora, isto permitiu-me melhorar o meu equipamento muito cedo no jogo, mas não só. Houve uma missão em que tinha de falar com o dono de uma tasca a respeito de um acidente que tinha ocorrido no seu estabelecimento na noite passada. Contudo, ele não estava a aceitar falar, de modo que tinha duas opções para obter informações: ou reparava os estragos causados no estabelecimento, para que ele ficasse contente comigo e desabafasse, ou teria de o subornar. Como tinha escolhido meter pontos no talento do Artesanato, pude então reparar os estragos, poupando assim algum dinheiro.

Este uso contextual dos talentos é extremamente satisfatório, e o melhor de tudo é que ao longo da história estão quase sempre a surgir oportunidades destas, quer nas missões principais, quer nas missões secundárias. Para além disto, é também possível subornar regularmente os NPCs numa tentativa de evitar conflitos, o que permite jogar de uma maneira mais pacifista. De igual forma, também podemos ignorar as tentativas de apaziguamento e partir logo para a porrada, o que permite satisfazer também aqueles que gostem de um jogo mais à base do combate e da violência.

São todas estas possibilidades que tornam, na minha opinião, cada missão tão excitante. Ao começar uma missão, não saberei o que esperar, nem onde ela me vai levar. Até mesmo as missões secundárias, aparentemente aborrecidas por tratarem de aspetos menos importantes, estão construídas de maneira a dar possibilidade de escolha ao jogador, e de o fazer sentir que as suas escolhas importam.

A qualidade das missões é elevada também pela qualidade e complexidade do diálogo e da escrita em si. Rara é a missão que não dá voltas e reviravoltas na narrativa, de uma maneira positiva. Se no inicio pensava que sabia o que se passava, no fim descubro que afinal aquilo que pensava revelou-se não ser aquilo que afinal se passa. É uma espécie de narrativa por camadas, em que a cada diálogo com um novo NPC nos é revelada uma nova camada, uma nova informação, que nos leva a ver as coisas de uma maneira completamente diferente.

Junte-se ao diálogo a qualidade da atuação vocal e temos uma combinação explosiva que me deixou completamente embebecido nas histórias deste mundo e nas missões que ia fazendo.

Quase sempre utilizava o combate como último recurso na resolução de uma missão, porque o que mais me fascinava era ver como conseguiria resolver as situações com os talentos que desenvolvi, ou com subornos, e o que daí resultava. Às vezes até o suborno falhava, então era obrigado a arranjar métodos extraordinários para obter o que pretendia, como disfarçar-me de servente para entrar numa cave, ou de navegador para entrar num estaleiro marítimo.

Uma das poucas coisas de que não gostei no que diz respeito à narrativa foram os companheiros que me servem de auxílio durante as missões e exploração. Cada um destes personagens pertence a uma das fações do jogo, de modo que dialogar e interagir com ele é uma excelente forma de conhecer perspetivas diferentes em relação aos eventos que sucedem no mundo. E muito apesar de as missões principais e secundárias darem a conhecer o passado e personalidade destes personagens, no geral achei-os algo desinteressantes. Considerei o desenvolvimento narrativo do mundo em si e dos conflitos políticos entre fações muito mais interessante do que a caraterização individual de cada um destes personagens, achando que poderiam estar melhor desenvolvidos.

No geral, não nego que pela satisfação e diversão que obtive a magicar com estes sistemas dinâmicos, já o jogo valeria praticamente o preço pedido de 50 euros. GreedFall, contudo, tem ainda mais para oferecer para além disto.

Combate

O combate em GreedFall resulta da implementação de um sistema que mistura planeamento estratégico e ação em tempo real. Carregando no botão L1, é possível colocar o jogo em pausa e fazer surgir o menu tático, que permite coordenar feitiços, técnicas (como armas de fogo) ou poções (de cura, de magia, de resistência, etc.), e mapeá-los para atalhos no d-pad. Por exemplo, se eu esgotar uma poção a meio da batalha, mas quiser usar outra no seu lugar, posso pausar o jogo com o L1, o que faz surgir o menu tático, e daí posso mapear uma outra qualquer poção no atalho que estava a utilizar para a poção que acabou de esgotar. Para além disto, o momento de pausa pode ser simplesmente utilizado para respirar ou descansar durante uma batalha difícil, ou para planear o próximo movimento num combate que esteja a ser particularmente caótico.

Em termos do combate em si, apesar das animações e do movimento não serem tão responsivos quanto necessários, este é divertido o suficiente. É possível realizar um ataque normal, um ataque mais forte, bem como defletir os ataques ou desviar-se para o lado. Cada ataque bem-sucedido carrega o medidor da Fúria, o qual, uma vez cheio, permite ataques garantidos aos inimigos, que os destabilizam mais e dão mais dano.

Os inimigos possuem, para além da habitual barra de vida, uma barra de armadura, que é mais difícil de remover do que a vida. Só após remover a armadura de um inimigo é que é possível infligir ataques verdadeiramente poderosos que lhe retirem grande parte da vida. É necessário utilizar ataques que melhor retirem a armadura primeiro, para depois nos focarmos em ataques que deem mais dano físico. A minha tática era geralmente tentar remover a armadura de um inimigo à distância, com tiros da pistola, que infligia maior dano à armadura, passando depois ao combate corpo-a-corpo, em que me focava em destabilizar o inimigo para logo a seguir lhe dar bastante dano físico.

Esta dinâmica tornou o combate divertido, particularmente com bosses desafiantes com enormes barras de vida e de armadura, que obrigam o jogador a utilizar de uma maneira mais ponderada o leque de ataques e técnicas à sua disposição, uma vez que um erro qualquer pode resultar na perda de mais de metade da vida por causa de um ataque poderoso do boss. Os inimigos mais frequentes no jogo são humanos, sendo o combate com estes geralmente mais fácil do que o combate com bestas selvagens e animais. Não só as bestas se apresentam em maiores números, como possuem ataques mais difíceis de defender e de se desviar. Ou então é o facto de eu ser tão noob!!

Gráficos e Performance Técnica

Já muito falei sobre o mundo de GreedFall, resta saber como é que ele é exatamente representado neste jogo. O jogo não é totalmente mundo aberto. Existem, contudo, zonas expansivas o suficiente para permitirem uma exploração satisfatória, além de preenchidas e detalhadas o suficiente para não parecerem praticamente desérticas. Até os uniformes dos personagens se apresentam ricamente detalhados com pormenores que ajudam à imersão no período histórico.

Apesar da quantidade de detalhe, o jogo claramente necessitaria de mais algum polimento a nível gráfico. O jogo não é feio, de todo, e certos ambientes naturais são genuinamente bonitos, contudo, não é um jogo que forneça a fidelidade gráfica a que estamos habituados quando compramos um habitual AAA. E, de facto, isso é esperado vindo da produtora que é. Spiders é um estúdio de pequena escala, com cerca de 35 pessoas, que para a execução deste jogo não teve, nem de perto, o orçamento para fazer este jogo que muitas grandes produtoras tomam por garantido. No geral, o trabalho gráfico é mais do que suficiente, e o jogo até tem um modo HDR que aumenta o espetro cromático disponível e melhora a iluminação dos espaços.

O mesmo não se pode dizer em relação às animações faciais dos personagens, que não pareceram bem executadas. Eu fartei-me de elogiar o diálogo, contudo, parecia que as falas estavam deslocadas dos movimentos labiais dos personagens, o que resultava num efeito algo estranho e que retirava alguma da imersão.

O movimento dos dois companheiros que estavam sempre presentes comigo era irritante. Seguiam-me para todo o lado, inclusive para qualquer divisão, por mais pequena que fosse, e se quisesse voltar para trás estavam quase sempre a bloquear-me o caminho, o que acabava por causar alguma frustração.

Também o trabalho de câmara necessitava de alguma melhoria. Pela forma como estava pré-definida, parecia que a câmara saltava de um lado para o outro ao mínimo dos movimentos, o que no início me causou alguma frustração. Contudo, depressa diminuí a sensibilidade da câmara para o mínimo possível, valor que finalmente achei confortável e que acho que deveria ser a pré-definição.

A falta de um mini-mapa permanente no ecrã torna a exploração e a navegação pelo mapa menos intuitivas e naturais. Da forma como está atualmente, é necessário pausar constantemente o jogo para ver o mapa, se quiser saber qual a direção que devo seguir, ou para que porta me devo dirigir.

Por último, a existência de múltiplos erros gramaticais nas legendas do diálogo desapontaram-me um bocado. Eu gosto sempre de ativar as legendas nos jogos para facilitar a compreensão da história, mas, neste caso, por vezes um erro gramatical pode mesmo quebrar a imersão. Seria bom se uma atualização futura corrigisse este e outros problemas técnicos presentes no jogo.

GreedFall
GreedFall. Imagem: DR

VEREDITO

GreedFall é um daqueles jogos com uma alma muito grande, mas um orçamento muito pequeno. Vítima da sua própria ambição, nem sempre consegue acompanhar aquilo que procura alcançar. Com um mundo e narrativa extremamente intrigantes, um combate estratégico, excelente design de missões e diálogo, mas pautado por vários problemas técnicos, principalmente ao nível das animações, este jogo deixa-me a salivar por uma potencial sequela em que o estúdio Spiders tenha finalmente direito ao orçamento que merece.

Esta análise foi baseada numa versão para PlayStation 4.